Mudança de rumo

Diante de alguns números recentemente publicados, um amigo me perguntou do quê os seguradores estão se queixando. Com a queda dos roubos de veículos eles estariam ganhando um monte de dinheiro. É quase verdade, mas não é bem verdade.

Realmente houve uma queda importante no número de roubos de veículos e acidentes de trânsito. De outro lado, houve uma queda de pouco mais de 20% na fabricação, comercialização e exportação de veículos. Entre secos e molhados, a conta pesa contra as seguradoras. A redução dos sinistros na carteira de automóveis não é suficiente para fazer frente à redução dos prêmios gerados pela mesma carteira.

Importante lembrar que o seguro de veículos, durante muitos anos, foi o principal seguro de bens comercializado no País, chegando a significar mais de 35% do total do faturamento do setor, com algumas seguradoras tendo mais de 80% de sua produção gerada por ele. Não é pouca coisa, tanto que levou muitas décadas para o seguro de pessoas suplantar o peso do seguro de veículos no total do faturamento da atividade.

Nos últimos anos, em função da crise econômica, a venda de carros novos já havia caído significativamente, o que quer dizer que a perda de faturamento com o seguro de veículos apenas se acentuou, depois da chegada do coronavírus.

Esta tendência não é nova e, no mundo todo, a utilização de veículos vem sofrendo alterações que impactam para menos a produção, principalmente, de automóveis e seus derivados. Compartilhamento, veículos de aplicativos, transporte coletivo, motos, bicicletas, patinetes, etc., chegaram para ficar e comeram um pedaço do espaço dos automóveis.

Assim, a queda dos sinistros na carteira de veículos é bem-vinda, mas não é suficiente para compensar a perda de faturamento com os seguros para automóveis novos, agravada pela recente queda da produção, comercialização e exportação decorrente da pandemia do coronavírus.

Também parece que os roubos e furtos em geral estão em queda, o que é muito bom para a sociedade, mas não tem impacto tão significativo no setor de seguros, já que grande parte das ocorrências, incluído o roubo de cargas, não são seguradas.

Tudo no mundo tem mais de dois lados. Se, por causa da pandemia, houve uma redução do número de determinadas ações criminosas, de outro, uma série de situações inesperadas coloca sua conta na mesa e o total não é pequeno.

Quanto as operadoras de saúde brasileiras irão pagar em função de seus segurados serem contaminados pela covid19? Qual o aumento da sinistralidade da carteira de seguros de vida?

Nós ainda não temos condições de saber qual a quantidade de pessoas atingidas pela pandemia do coronavírus que terão necessidade de atendimento médico-hospitalar e muito menos qual o total de mortos. Mas 300 mil internações não é um número fora de propósito e 50 mil mortes também não é exagerado.

Como se não bastasse, a pandemia trouxe no seu bojo novas formas de ações criminosas e elas podem custar bilhões de reais em prejuízos concretos para milhares de empresas e pessoas direta ou indiretamente vítimas de ataques cibernéticos. O isolamento social aumenta o uso da internet e consequentemente torna mais vulneráveis os sistemas de informática em geral.

Além dos ataques cibernéticos, os golpes contra cartões de crédito estão em expansão e encontram campo fértil na solidão forçada de milhões de pessoas trancadas em casa.

Mas, mais importante, ou grave, é que a economia em 2020 entrará em recessão, e não será uma recessão de 0,5%. Países como a Alemanha, o Japão, os EUA e a China já falam em recessão de até dois dígitos. Se neles o preço da conta pode chegar nestes patamares, como o Brasil espera se sair bem, se depende exatamente desses países para exportar os produtos primários que são o forte de nossa economia?

Numa recessão profunda é difícil algum setor ganhar dinheiro, e fica mais difícil quando ele depende do desenvolvimento nacional para vender seus produtos, como acontece com seguros.

Autor: Estadão l Antonio Penteado Mendonça